A Iniciação de Dom Pedro I na Maçonaria, Renato M. Schramm - MNI-01

     Dia 2 de Agosto data da iniciação na Maçonaria do então Imperador Don Pedro I, conforme a ata do Grande Oriente do Brasil, realizada em 2 de agosto de 1822, consta “ter o Grão-Mestre da Ordem proposto para ser iniciado nos mistérios da Ordem, Sua Alteza D. Pedro de Alcântara, Príncipe Regente do Brasil e seu defensor perpétuo. Aprovada de forma unânime, D. Pedro foi imediata e convenientemente comunicado, que dignando-se aceitá-la, compareceu na mesma sessão, e sendo iniciado conforme prescrevia a liturgia maçônica ,prestou juramento e adotou o  nome heroico de Guatimozin.”

     Para a historiografia maçônica, a 17ª sessão do Grande Oriente do Brasil se reveste de um significado particular.


     DOM PEDRO – Príncipe Regente

     Nasceu em Queluz (Portugal) em 1 de outubro de 1798, sendo filho do Rei D. João VI e de D. Carlota Joaquina de Bourbon. Assumiu o Governo do Brasil Colônia como REGENTE em 22 de abril de 1821, no lugar de seu Augusto pai que, para não perder o trono, teve de reassumir, na Metrópole (Lisboa), as rédeas do Governo de Portugal.

     Descrever aqui a vida profana desse nosso governante consideramos totalmente desnecessária, pois já nos bancos escolares, tivemos e aprender essa história, embira de maneira um pouco deturpada.

     D. Pedro – Príncipe Regente que tinha o pomposo nome de Pedro de Alcântara, Francisco, Antônio, João, Carlos, Xavier  de Paula, Miguel, Raphael, Joaquim, José, Gonzaga, Paschoal, Cypriano, Seraphim de Bragança e Bourbon, tinha sido admitido por José Bonifácio com o título de “Archote-Rei”, no APOSTOLADO, por esse último criado em 02.06.1822 (era uma Sociedade Secreta criada com a intenção de diminuir a força crescente e avassaladora da maçonaria, liderada por Joaquim Gonçalves Lêdo e José Clemente Pereira e outros).

     Essa mesma Maçonaria, num contragolpe espetacular, e mesmo não sendo Maçom o todo poderoso Ministro José Bonifácio, resolveu aclamá-lo seu Grão Mestre em 17.06.1822, ao fundar o Grande Oriente Brasileiro.

     José Bonifácio naturalmente aceitou, mas só veio tomar posse no mês depois, na 6ª Sessão de 19.07.1822, o que significa que somente nesta data – vamos deixar bem claro: 19 de julho de 1822 – o pseudo-patriarca da Independência, automaticamente se tornou Maçom Grau 3.

     Mas sabendo Gonçalves Lêdo, e percebendo-o agora ainda mais, que o Grão Mestre José Bonifácio não via com bons olhos a Maçonaria, que lhe estava tirando o prestigio, que tardiamente com tanta astúcia tinha conseguido, desde logo arquitetou um audacioso plano para substituí-lo no cargo.

     De passagem vale a pena mencionar, que na 5ª Sessão, de 12.07.1822, foi lido um ofício da Loja “União e Tranqüilidade”, propondo a filiação de vários Irmãos, e entre eles a do Irmão Francisco Gomes da Silva, nada mais nada menos do que o tristemente famoso CHALAÇA. Apesar de ser Maçom, foi essa filiação negada.

     Por proposta do Grão Mestre José Bonifácio, que depois de sua posse comparecia pela segunda vez aos trabalhos, foi na nona Sessão, em 02.08.1822 Iniciado nos Augustos  Mistérios D. Pedro, Príncipe Regente, que adotou o nome heroico de GUATIMOSIM.

     Pretendia dar uma demonstração de sua força na maçonaria, ao trazer o Príncipe D. Pedro pela sua mão.

     Logo em seguida, na 10ª Sessão de 05.08.1822, foi o Venerável da Loja “Comercio e Artes”, o Major Manoel dos Santos Portugal (Ir.’. BRUTUS”, autorizado a conferir o Grau de Mestre ao Irmão Guatimosim. Esta exaltação parece ter sido realizada no mesmo dia na aludida Loja, tendo na mesma ocasião sido Iniciado também o Brigadeiro José Maria Pinto Peixoto.

     O Príncipe regente, agora Irmão Guatimosim, em 14.08.1822 resolveu fazer uma excursão a São Paulo, levando no seu séquito o Irmão SÓCRATES, o Padre Belchior Pinheiro de Oliveira por sinal sobrinho de José Bonifácio, e espião desse na Loja “Comércio e Artes”.

     E foi quase no fim dessa viagem, que D. Pedro, em 07 de Setembro de 1822, proclamou a nossa Independência, em face da correspondência recebida das mãos do correio “Bregaro”.

     No ínterim realizaram as Sessões de 17 de agosto (12ª) e 04 de setembro (13ª), em que apenas se realizaram trabalhos administrativos. Somente na Sessão seguinte a 1ª de 09.09.1822, que Gonçalves Lêdo “propôs a Proclamação da nossa Independência”, mas ficando a “discussão e a aprovação” de tão importante matéria reservada para outra Assembleia Geral. 

     É muito importante registrarmos nesta altura, que Gonçalves Lêdo esteve secretariando a Sessão do “Conselho”, presidida pela Princesa D. Leopoldina, como regente do reino, que tinha apreciado as notícias vindas de  de Portugal, do dia 02.09.1822, a reunião histórica de que resultou a correspondência mandada pelo correio “Bregaro”.

     Na sessão seguinte do GOB, de 14.09.1822 (15ª), 25º dia, 6º mês, 1822 – é que soube o que tinha acontecido em São Paulo, e que o Irmão Guatimosim acabara de retornar de lá neste dia. Por isso mandou-se uma deputação à Palácio, formada pelos Irmãos Lopes Vianna e Amaro Velho, para dar-lhe as felicitações pela sua volta. (A. Velho da Silva era Irmão da Loja Comércio e Artes).

     No dia 16 de setembro de 1822 Gonçalves Lêdo publicou então a “Proclamação da Maçonaria sobre nossa Independência”, o que comprova de maneira irrefutável, que não foi a Maçonaria que a fez e proclamou como muitos historiadores maçons pretendem fazer crer.

     Não há dúvida, que os Maçons contribuíram de forma decisiva párea o preparo do terreno e a opinião pública, para que a “Proclamação” se consumasse, e que esta acabou sendo feita por um Maçom, no caso o Irmão Guatimosim, D. Pedro I, Príncipe Regente, mas a Maçonaria não quer e nem precisa se enfeitar com penas alheias.

     A Sessão de 28 de setembro (16ª) foi praticamente administrativa, mas sendo ela dirigida pelo Grão Mestre Jose Bonifácio, por sinal a última por ele presidida, foi-lhe conferido o Grau 6, ficando a concessão do Grau 7 para a reunião seguinte. Como Grão Mestre ele tinha direito a este último Grau.

     Entre 29 de setembro e 03 de outubro de 1822, resolveu o GOB, secretamente conduzir D. Pedro, Príncipe Regente ao cargo de Grão Mestre, desse modo afastando José Bonifácio do Grande Oriente Brasileiro.


     Diz a Ata da Sessão de 04.10.1822 (17ª) textualmente:


     “...aberto os trabalhos pelo 1º Vigilante (Gonçalves Lêdo) que o objecto da presente convocação, da assembléia Maçônica, era a prestação do Juramento do nosso muito amável e muito amado Irmão Guatimosim, eleito Grão Mestre da Maçonaria Brasileira, por geral Acclamação, em plena reunião do Povo Maçônico, e sendo conduzido do Oriente, onde estava, ao solio, por uma deputação de Irmãos Cavalheiros Rosa Cruzes, prestou o juramento da Ordem, e immediatamente, recebendo o Gr.’. Malhete, subio ao solio e tomou a direcção dos trabalhos...”.


     Em seu livro “Exposição Histórica da Maçonaria no Brasil”, Rio de Janeiro – 185 (Ref. BR 1857, 925. p. 50) o Irmão Penn da Loja “União e Tranqüilidade”, Manoel Joaquim de Menezes, sobre esta passagem faz e seguinte comentário:


     “... Cumpre notar que este acto foi uma verdadeira sorpreza preparada pelo 1º Grande vigilante Lêdo, que aspirava a privança do Príncipe, a sua resolução fora disposta em sessão particular da Grande Loja e não em Assembléia Geral, como era preciso; não se tinha prevenido o Grão Mestre José Bonifácio, o qual não era possível que se appozesse, e mesmo convinha que partisse delle a proposta.

     Os Irmãos que assim pensavão não foram ouvidos nem attendidos, e tudo se atropelou, quando se poderia obrar com calma e discernimento..”.


     Deve ser aqui explicado que o Irmão Penn tinha sido “voluntário da Divisão leal a D. João VI, como chefe da repartição de saúde” que em 1817 tinha combatido a Revolução Pernambucana, e era amigo de José Bonifácio. Mas o seu testemunho ocular da história é válido, provando que D. Pedro I NÃO foi eleito para o cargo de Grão Mestre, mas sim “aclamado ao ser empossado”.

     Conta-nos Varnhagen (pg. 24) que num entendimento havido logo em seguida à posse entre Lêdo e D. Pedro, este último...


     “... reconheceu ter sido vítima de seu próprio Ministro (José Bonifácio), aumentado por zelos de haver a Maçonaria conferido a ele, Chefe de Estado, o grão malhete...”


     Mas, tendo ele tomado posse no cargo, sem a presença de José Bonifácio, prova que o Príncipe estava conivente com o plano de Lêdo em afastar o Ministro, da Maçonaria. Depois dessa posse ainda houveram DUAS Sessões no Grande Oriente Brasileiro, a 18ª, de 05.10 e a 19ª de 11.10.1822, ambas presididas pelo Irmão Guatimosim, então ainda Príncipe Regente, tornando-se IMPERADOR, depois da “Aclamação” no dia seguinte: 12 de outubro de 1822.

     Conta-nos o grande historiador Tobias Monteiro, em sua obra “A elaboração da Independência”, que em 21.10.1822 o agora Imperador e Grão Mestre teria mandado a Lêdo o seguinte bilhete:


     “... Meu Lêdo

     Convindo fazer certas averiguações tanto públicas como Particulares na M.’. mando primo como Imperador secundo como Grão Mestre que os trabalhos M.’. se suspendão athe segunda ordem Minha. He o que tenho a participarvos agora restame reiterar os meus protestos como Irmão. – Pedro Guatimosim G.’.M.’. S. Christovão, 21O.bre 1822”.

     “P.S. Hoje mesmo deve haver execução e espero que dure pouco tempo a suspensão porque em breve conseguiremos o fim que deve resultar das averiguações...”.


     E não há, a nosso ver, porque duvidar da autenticidade desse documento, porque é sabido, que Tobias Barreto conseguiu adquirir uma parte dos documentos preciosos deixados por Gonçalves Lêdo, e dos quais se dizia terem sido queimados por ele ainda em vida.


     “...Meu Irmão – Tendo sido outro dia suspendidos nossos augustos trabalhos pelos motivos que vos participei, e achando-se hoje concluídas as averiguações vos faço saber que a 2ª Feira que vem, nossos trabalhos devem recobrar o seu antigo vigor começando a abertura da Grande Loja em Assembléia Geral. He o que por ora tenho a participarvos para que passando as ordens necessárias assim o executeis.

     Queira o S.’.A.’. do U.’. dar-vos fortunas immensas como vos deseja o vosso I.’.P.’.M.’.R.’. ...”.


     Nota: 2ª Feira seria o dia 28.10.1822. Autêntico ou não este segundo documento, fato é que Gonçalves Lêdo mandou encerrar definitivamente os trabalhos do GOB, e isto no mesmo dia 25.10.1822, pois no famoso LIVRO DE OURO, agora sumido, constava o seguinte:


     “TERMO DE ENCERRAMENTO e Suspensão dos Trabalhos. Aos cinco dias do 8º Mês do Anno da V.’.L.’. 5882 recebo o Irmão Grande Primeiro Vigilante huma prancha na qual determinava o Ir.’. Gr.’. Mestre Guatimosim que se suspendessem os trabalhos do Grande Oriente, e de todas as Officinas do Círculo athe Segunda determinação sua: declarando que assim o mandava na qualidade de Grão Mestre da Maçonaria Brasileira e na de Imperador e Defensor Perpétuo deste Império.

     “Encerrados, portanto os trabalhos se dispersando os trabalhadores...”.


     E a Maçonaria não mais reiniciou as suas atividades. No dia 27.10.1822 José Bonifácio e Martim Francisco se demitiram do Ministério, organizando o Imperador um novo Ministério no dia seguinte (28.10), e isto de comum acordo com José Bonifácio, que indicou um teleguiado seu para seu substituto, e este imediatamente passou a perseguir toda a Maçonaria, e a prender os Maçons mais importantes, de repente considerados INIMIGOS DO GOVERNO.

     Eis aí, em breves palavras, as atividades maçônicas de D. Pedro – Príncipe Regente que, sem nunca ter conseguido reabrir a Maçonaria, em 07 de agosto de 1831 acabou sendo expulso do Brasil.

     Vale a pena mencionar ainda, que de 03 de maio de 1826 até 02 de março de 1828, D. Pedro (Imperador do Brasil) era simultaneamente REI DE PORTUGAL, com o título de D. Pedro IV, acabando por abdicar a favor de sua filha mais velha, Maria da Glória, nomeando “Regente” em nome de sua filha, ao seu Irmão “Miguel” que acabou se tornando usurpador, ao se proclamar REI DE PORTUGAL.


     Nota: Na posse de D. Pedro no cargo de Grão Mestre em 04 de outubro de 1822,... “ ... ele ainda foi revestido dos sublimes GGr.’. até Cav.’.R.’.Cruz pela Comissão competente...”. Isto não consta da Ata, mas nos foi relatado pelo Irmão PENN em sua “Exposição Histórica” (1857, pag. 50), testemunha ocular do fato.

     (Dados extraídos da coleção de selos postais maçônicos de Renato Mauro Schramm PM.’. 33º, Presidente do Clube Filatélico Maçônico do Brasil.)


     Obs. No século XIX e nas primeiras décadas do século XX, os filiados da maçonaria, eram, na sua maioria, integrantes das camadas mais abastadas. Não era maçom quem queria ser, mas quem podia arcar com os custos; era obrigação de o maçom pagar mensalidade, contribuir com obras filantrópicas, com os custos das vestimentas, da publicação de jornais e outras despesas. Os maçons eram quase sempre integrantes da elite política e econômica brasileira; grandes ou médios comerciantes, profissionais liberais, funcionários públicos, grandes proprietários rurais e industrialistas. Tinham de uma forma geral, um nível de escolaridade elevado para os padrões de um país de maioria analfabeta. Foram muitos os mações atuantes na vida política brasileira, porém a atuação nesse campo não era unificada; nota-se a presença de maçons em diferentes partidos políticos no período imperial. Da mesma forma, no processo de proclamação da República, enquanto outros se mantiveram monarquistas.

     Desde o final do séc. XVIII a atuação dos maçons tem se destacado no cenário brasileiro. Essa relação foi muito intensa, haja vista a 'importação' dos ideais franceses da república na sua estrutura filosófica. Os maçons que atuaram no Brasil, contra o julgo político da monarquia portuguesa na difusão dos ideais do liberalismo anticolonialista, eram essencialmente formados por jovens universitários, filhos da elite, que estudavam na Europa como José Bonifácio. 

     No Brasil Colônia o embate foi marcado por alguns movimentos contra a coroa portuguesa como a Revolução Pernambucana que teve a participação de Lojas maçônicas. Já no império os maçons atuaram mais próximo às decisões políticas da nova nação. Entre eles estavam José Bonifácio e Gonçalves Lêdo. Dom Pedro I, Imperador do Brasil, foi iniciado na maçonaria em 02 de agosto de 1822, adotando o nome simbólico Guatimosim; em 05 de outubro de 1822, sessão dirigida pelo próprio D. Pedro, o Brigadeiro Domingos Alves Branco Muniz Barreto, saudou com inflamado discurso o novo Grão-Mestre. 

     No mesmo pronunciamento, fez alusão aos 'embusteiros que, para seus sinistros fins particulares buscam minar o edifício constitucional', numa previsão do que viria acontecer 15 dias depois, quando D. Pedro mandou suspender os trabalhos da maçonaria.


Avental de D. Pedro I, c. 1820 – seda e veludo, 34 x 36 cm. Acervo do Museu Histórico Nacional


Para citar esse texto:

SCHRAMM, Renato Mauro. A Iniciação de Dom Pedro I na Maçonaria. Movimento Numismático, Rio de Janeiro - Manaus, Anno.1 - Edição 01, p.50-58, 2023.


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